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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Os Volpis do MAC - 18/06/2014




Abaixo, trechos da depoimento de Paulo Pasta de 5 de agosto de 2013:

(...) Volpi foi um artista muito peculiar, muito especial, e isto por vários motivos. Ele era muito centrado, muito voltado para si. Como quase todos os pintores, ele queria buscar nele sua verdade, sua resposta. Parece-me que essa verdade estaria também posta na maneira de articular suas origens, no modo como processou a influência da arte italiana – presente desde sempre na sua carreira – juntamente com o fato de ter sempre os pés fincados no Brasil e na sua arte. Arte popular inclusive. 


Junte-se a isso, seu talento incrível, tanto para elaborar formas que respondessem a esses chamados, como para a cor, talvez seu grande atributo. (...) Ele mantém uma qualidade inalterável em toda sua produção. E isso, em nosso país, não é muito comum. Eu, particularmente, gosto de todo o seu trabalho. (...) Ele possuía um olho infernal, excepcional.


 A inteligência visual que sua obra revela, compensa (e muito!) a escassez de suas palavras. Se pegarmos o seu trabalho, um livro, por exemplo, e olharmos em sequência temporal, percebemos que as soluções por ele encontradas obedecem a uma poderosa organização interna de seus temas: ele sempre encontra a melhor equação para as questões que seu trabalho vai desdobrando (...)











(...) Volpi é um pintor ao mesmo tempo de contraste de cor e de tonalidades. Podemos notar isso em várias de suas obras. Muitas das composições de “bandeirinhas” possuem essa qualidade. Enquanto algumas bandeirinhas sustentam o contraste, outras são tonalizadas a partir da mesma cor. 

Volpi parece querer unir Matisse, seu pintor preferido, com Morandi, menos citado por ele, mas de visível influência em muitas de suas obras. Aliás, esse aspecto que sua pintura tem de querer unir diferenças também é muito “matisseano”. Algo parecido com buscar harmonia, criar beleza. (...) 

Me identifico muito com Volpi também na maneira como ele trata a forma. Parece-me que no seu trabalho, forma nasce de forma, como se a próxima pintura nascesse das descobertas da pintura anterior. Ele desdobra seus temas, habitando-os longamente. E também faz isso com a cor, uma vez que usa esta também para construir o espaço. Muitas vezes ele pinta o mesmo assunto, só elaborando, como mudança, uma permuta com as cores.

 E é sempre uma pintura nova. Suas formas são, como as cores, também reversíveis: o que está tratado como presença em uma área do quadro, na outra, aparece como vazio, ausência. Aborda de maneira igualmente ambígua também a figura e o fundo. Suas composições simétricas são corroídas quando esse espelhamento é atraiçoado por uma sutil assimetria.

 Dessa maneira, eu penso, Volpi consegue triunfar sobre esse oco que persegue todo o pintor, que é justamente o que pintar. (...) Sua pintura parece não demandar muito esforço. Ela responde a um sistema ágil, fluido, clarividente. Arrisco dizer – e me reservo o direito de ser uma bobagem – que Volpi tem a pintura menos neurótica que eu conheço (...)

(...) A coleção de Volpis, do MAC USP, é muita representativa justamente dessa passagem da natureza, do figurativo, para as formas, os esquemas figurados do real. Da figuração para a figura plana, se posso dizer assim. Ela flagra esse momento no qual Volpi conquista a autonomia do plano. Isso é muito visível nas paisagens e casarios de Itanhaém e Mogi das Cruzes, cidades que foram importantes para a construção do seu imaginário. Essa passagem a que me referi se dá entre o final da década de quarenta e início da década de cinquenta. 


E essa transformação é muito sofisticada. Primeiro ele abandona a tinta óleo pela têmpera, e, a partir disso, vai também modificando a maneira como trata o real. Parece que junto da simplificação da tinta, suas formas também se simplificam. Passam por um processo semelhante de depuração, tornam-se mais esquemáticas, abstratas, planares. 

Penso que Volpi, com esse movimento, cria uma espécie de evasão para o cotidiano. Nesse sentido, lembro-me muito de Manuel Bandeira, que fez deslocamento parecido, voltando muito seus conteúdos para a experiência comum, cotidiana, e fez isso não só pelos temas, mas principalmente pela forma. Aliás, penso que boa parte do modernismo brasileiro fez esse deslocamento.

 E Volpi fez isso em pintura de maneira, como disse, muito sofisticada, o que mostra também como ele foi um artista que não esqueceu seu tempo, as questões da sua época (...)

domingo, 8 de junho de 2014

Visita Monitorada ao Parque Trianon

Fauno

Quando as verbas para a execução do Monumento às Bandeiras escassearam, no começo dos anos 1940, Victor Brecheret (Farnese, Itália, 1894 – São Paulo, 1955) pôs-se a modelar, no seu barracão de trabalho no Ibirapuera, a figura de um fauno. Ao ver a obra ainda em terracota, o prefeito Prestes Maia lembrou-se do jardim que planejava para os fundos da nova Biblioteca Municipal, que deu origem à atual praça Dom José Gaspar. Tratando-se de uma divindade mitológica campestre, quando transposto para o granito, a imensa figura do fauno faria uma bela composição com a vegetação da praça.


Encomendou-a ao escultor e cuidou de sua implantação assim que as obras de abertura do logradouro foram concluídas.

Dizia-se, contudo, que o arcebispo de São Paulo não teria gostado de ver a estátua de Pan — uma imagem diabólica, com patas e chifres caprinos — nas matas do antigo Palácio Episcopal, onde costumava ler seu breviário antes da desapropriação pela Prefeitura. Verídica ou não, o certo é que a história correu e, tão logo José Carlos de Macedo Soares assumiu o cargo de Interventor Federal no Estado de São Paulo (3.2.1945 — 13.3.1947), sua esposa, Dona Matilde, providenciou a remoção do Fauno para longe dali, “escondendo-o” entre as árvores do Parque Tenente Siqueira Campos. Em seu lugar, mandou colocar uma grande cruz de granito, com uma inscrição lembrando que, naquele local, os Arcebispos Metropolitanos Dom José Gaspar e Dom Duarte Leopoldo e Silva “rezavam o breviário”. O próprio escultor acompanhou a remoção da escultura e escolheu um local no parque, garantindo uma ambientação adequada.


O meio artístico e intelectual não recebeu bem a transferência da obra e manifestou sua insatisfação através da imprensa. O Correio Paulistano chamou o fato de “A dança das estátuas”. Menotti del Picchia, em A Gazeta, não poupou críticas à mentalidade reacionária que, num “gesto caipira”, promovera a troca de uma obra de arte por uma “cruz mortuária”, surpreendentemente, num período de retomada da democracia, logo após o fim do Estado Novo.


Luís Martins, em sua crônica n’O Estado de S.Paulo, conta que Flávio de Carvalho considerou a transferência do Fauno um verdadeiro “atentado” à arte. O cronista criticava a “imposição do gosto privado de um administrador na orientação da ornamentação artística da cidade”. Fato que, segundo ele, poderia levar a “extremos inconcebíveis”. E encerrava argumentando que a transferência da escultura não seria um ato digno “de estadistas, de homens públicos, colocados, pela sua própria função, acima de suas inclinações pessoais e de suas convicções religiosas ou estéticas, por mais sinceras e fervorosas que possam ser.”


Apesar dos protestos, o Fauno permaneceu no parque, integrado à mata, onde parece estar à vontade.

Seção Técnica de Levantamentos e Pesquisa
Divisão de Preservação - DPH
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/patrimonio_historico/adote_obra/index.php?p=4527